O JOGO E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Froebel faz constante comparação do
desenvolvimento da criança com o das sementes. Segundo este teórico, a criança
é como uma semente a ser cultivada desde a mais tenra idade. Para Froebel o
princípio a partir do qual todos os homens seriam iguais se encontrava na
relação entre infância e Natureza. Somente conhecendo esta tríade relação entre:
infância, Natureza e Deus - é que poderíamos presentear cada indivíduo com o
autoconhecimento e a aceitação de seu lugar em sociedade e consequentemente,
desse processo, poderíamos ter uma sociedade melhor. Assim, essa tríade
formaria o que Froebel denominava “unidade vital”, onde os processos de
interiorização e exteriorização seriam fundamentais, pois levariam à
clarificação da consciência ao autoconhecimento, ou seja, à educação alicerçada
para poder conduzir o indivíduo ao desenvolvimento pleno.
Sabe-se que a formação e o desenvolvimento
ocorrem graças ao que o homem recebe do mundo exterior, mas só se efetivam de
modo eficaz quando se sabe, por assim dizer, tocar no seu mundo interior.
A este processo dá-se o nome de interiorização em que consiste no
recebimento de conhecimentos do mundo exterior, que passam para o interior,
seguindo sempre uma sequencia que deve caminhar do concreto para o abstrato, do
conhecido para o desconhecido. De maneira, tanto a atividade e como a reflexão
são instrumentos de mediação desse processo não diretivo, garantindo que os
conhecimentos sejam descobertos pela criança da forma bem natural. O processo contrário
a este é denominado de exteriorização, no qual a criança exterioriza o seu
interior. Para que isso aconteça, a criança necessita trabalhar em coisas
concretas como a arte e o jogo, excelentes fontes de exteriorização. Quando
esse processo de dá, a criança passa a ter autoconsciência do seu ser, passa a
conhecer-se melhor: é assim que a educação acontece. Entretanto, estes
processos de exteriorização e interiorização precisam da ação para mediá-los, necessita
de vida e atividade, não de palavras e conceitos devendo o educador estar
sempre atentos a esses dois processos, pois toda a atividade externa da criança
é fruto de sua atividade interna.
Na concepção de Froebel o jogo é a atividade
pela qual a criança expressa sua visão do mundo. Sendo assim, o jogo seria
também a principal fonte do desenvolvimento na primeira infância, que para ele
é o período mais importante da vida humana, um período que constitui a fonte de
tudo o que caracteriza o indivíduo, toda a sua personalidade.
Froebel (1887, p.55-56) vê na brincadeira a
fase mais alta do desenvolvimento da criança e é neste período do
desenvolvimento humano que acontece a representação do interno, da necessidade
e do impulso internos. Por isso, ela dá alegria, liberdade, contentamento,
descanso interno e externo, paz com o mundo.
A criança que brinca muito com determinação
auto-ativa, perseverantemente até que a fadiga física proíba, certamente será
um homem determinado, capaz do auto-sacrifício para a promoção do bem-estar
próprio e dos outros. Não é a expressão mais bela da vida neste momento, uma
criança brincando? – uma criança totalmente absorvida em sua brincadeira? – uma
criança que caiu no sono tão exausta pela brincadeira? Como já indicado, a
brincadeira neste período não é trivial, ela é altamente séria e de profunda
significância. A brincadeira espontânea da criança revela o futuro da vida
interna do homem.
No século XX surgiu na União Soviética uma escola de
psicólogos estudando o desenvolvimento infantil e o papel da educação de
maneira oposta à Froebel. Entre estes estudiosos
encontramos Elkonin , Leontiev e Vigotski.
Elkonin (2000) discute a complexa questão da
divisão do desenvolvimento infantil em estágios de acordo com a faixa etária ou
com a aquisição de determinados patamares de desenvolvimento cognitivo, os
quais deveriam ser frutos da universalização do acesso à educação escolar, o
que levaria cada indivíduo a desenvolver ao máximo as suas potencialidades,
como ser pertencente ao gênero humano. Entendia também que a escola deveria
também estar compromissada com a construção dessa sociedade (socialista).
Somente dessa forma a escola contribuiria para o pleno desenvolvimento do ser
humano.
Apoiados na concepção materialista-dialética
de homem e sociedade, Elkonin, Leontiev e Vigotski desenvolveram uma corrente da
psicologia que estudou o desenvolvimento humano e, como parte desse estudo, analisou
o papel do jogo na educação e no desenvolvimento de crianças menores de seis
anos.
Consequentemente, ao contrário de Froebel,
estes autores viam a infância e seu desenvolvimento fortemente conectados com a
educação e com a sociedade na qual a criança está inserida.
Elkonin (2000), apoiado também nos estudos de
outro soviético, Blonski, afirma que não existe um desenvolvimento da infância
universal, único e natural. O desenvolvimento infantil é passível de mudanças
históricas.
As crianças de hoje não se desenvolvem da
mesma forma que as crianças do século XVIII se desenvolveram. A infância não é
eterna e imutável, nem dependente majoritariamente do subjetivo que existe em
cada indivíduo, em seu interior. As condições culturais, econômicas, sociais,
históricas são fatores decisivos neste desenvolvimento.
Crianças vivendo numa mesma época histórica
podem apresentar diferentes
processos de desenvolvimento em consequência das diferenças existentes em suas
atividades. Essas atividades são sempre situadas num determinado contexto
sociocultural. Elkonin, Leontiev e Vigotski não acreditavam em uma essência
humana de origem do homem divina e espiritual. Fundamentar os estudos sobre o
desenvolvimento humana nesse tipo de crença seria colocar-se longe da ciência e
do pressuposto marxista de que o ser humano constrói a sua própria história assim
como é por ela construído.
Leontiev (1978) afirma que:
Se
um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse as
aptidões físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e os traços do
comportamento de homens pertencentes às classes e camadas sociais diferentes ou
habitando regiões e países diferentes, dificilmente se admitiria tratar-se de
representantes de uma mesma espécie. Mas esta desigualdade entre os homens não
provém das suas diferenças biológicas naturais. Ela é o produto da desigualdade
econômica, da desigualdade de classes e da diversidade consecutiva das suas
relações com as aquisições que encarnam todas as aptidões e faculdades da
natureza humana, formadas no decurso de um processo sócio histórico. (Leontiev,
1978, p. 274)
Vigotski afirmava que o desenvolvimento
infantil é um processo dialético, a passagem de uma fase a outra é marcada não
pela simples evolução (como afirmava Froebel), mas por uma revolução que implicaria
mudanças qualitativas na vida da criança.
Esse processo não pode ser separado
assepticamente da inserção da criança na sociedade e do reflexo desta nas
necessidades da criança, em seus motivos e em seu desenvolvimento intelectual.
Elkonin afirma que a tentativa de separação do desenvolvimento infantil em
diferentes âmbitos é uma característica da busca de naturalização desse
desenvolvimento, separação essa que produz muitos dos dualismos tão presentes
nas várias abordagens existentes na psicologia do desenvolvimento. Somente com
a superação dessa forma de se estudar o desenvolvimento é que seremos capazes
de entendê-lo verdadeiramente.
Nesta perspectiva do desenvolvimento
infantil, primeiramente, vê a criança como um indivíduo isolado, para o qual a
sociedade não passa de um “mero hábitat” sui generis. Em segundo lugar, o
desenvolvimento mental é visto como um simples processo de adaptação às
condições de vida existentes na sociedade. Em terceiro lugar, a sociedade é
vista como a união de dois elementos distintos: “o mundo dos objetos” e o
“mundo das pessoas”, ambos dados pelo ambiente no qual a criança se encontra.
Como consequência, em quarto lugar aparece o desenvolvimento de dois mecanismos
diferentes de adaptação: um para o “mundo dos objetos” e outro para o “mundo
das pessoas”; a isso se reduziria o desenvolvimento mental. Sendo assim, o
desenvolvimento mental seria, nessa concepção, o desenvolvimento desses
mecanismos de adaptação a esses diferentes mundos traduzidos na vida infantil
como: o “mundo da criança e os objetos” e o “mundo da criança e os outros”.
(Elkonin, 2000, p. 4)
Dentro deste quadro teórico é que aparece a
brincadeira e o jogo na educação pré-escolar para estes autores.
Leontiev, Elkonin e Vigotski concordam que o
jogo é a atividade principal nesse período da infância. Como esses autores
partem de uma visão oposta à de Froebel do desenvolvimento infantil,
encontramos no estudo por eles realizado dos jogos, princípios também opostos
aos princípios froebelianos.
Para Leontiev e Elkonin e Vigotski, a
brincadeira não é uma atividade instintiva na criança. Para esses autores a
brincadeira é objetiva, pois ela é uma atividade na qual a criança se apropria
do mundo real dos seres humanos da maneira que lhe é possível nesse estágio de
desenvolvimento.
Esses autores afirmam que a fantasia, a
imaginação que é um componente indispensável à brincadeira infantil, não tem a
função de criar para a criança um mundo diferente do mundo dos adultos, mas sim
de possibilitar à criança se apropriar do mundo dos adultos a despeito da
impossibilidade de a criança desempenhar as mesmas tarefas que são
desempenhadas pelo adulto. Por exemplo, ao brincar de motorista de ônibus ela
precisa usar da fantasia para substituir as operações reais realizadas por um
motorista de ônibus pelas operações que estejam ao seu alcance. Mas isso não é
uma forma de se afastar do mundo real no qual existem motoristas de ônibus e
sim, ao contrário, de se aproximar cada vez mais desse mundo.
Para Froebel o brinquedo é um ato que faz parte da natureza infantil, sendo assim a atividade principal desta faixa etária a única forma que a criança tem de expressar seu mundo interior, de conhecer-se e de harmonizar-se com a tríade da Unidade Vital. A criança necessita simbolizar seu interior em objetos. A brincadeira proporciona essa simbolização. Assim a brincadeira leva a criança a descobrir sua essência divina e também leva o adulto, que observa a criança brincando, a descobrir como essa criança está inserida nos planos do Criador para os seres humanos.
Para Leontiev e Elkonin, a brincadeira é a
atividade principal do período pré-escolar, mas as razões para esta afirmação
são distintas das de Froebel. A começar por como Leontiev descreve o status de
atividade principal no desenvolvimento infantil de uma atividade.
A brincadeira, segundo Vigotski (1984, p.
117) é a atividade principal porque cria uma zona de desenvolvimento proximal
da criança no brinquedo a criança realiza ações que estão além do que sua idade
lhe permite realizar, agindo no mundo que a rodeia tentando apreendê-lo. Neste
ponto o papel da imaginação aparece como emancipatório: a criança utiliza-se da
imaginação na brincadeira como uma forma de realizar operações que lhe são
impossíveis em razão de sua idade. A criança reproduz ao brincar uma situação
real do mundo em que vive, extrapolando suas condições materiais reais com a
ajuda do aspecto imaginativo.
Para que a criança possa tornar real uma
operação impossível de ser realizada na sua idade, ela utiliza-se de ações que
possuem um caráter imaginário, o faz-de-conta entra em cena, gerando uma
discrepância, segundo Leontiev (1988), entre a operação que deve ser realizada
(por exemplo, andar a cavalo) e as ações que formam essa operação (por exemplo,
selar o cavalo, montar no cavalo etc.).
Como a criança não pode usar um cavalo real,
ela utiliza-se de um cabo de vassoura, por exemplo, como se este fosse seu
cavalo. Isso ocorre porque a criança tem como alvo o processo e não a ação.
Outro exemplo é a brincadeira com uma boneca. A criança ao brincar com a boneca
repete situações ou acontecimentos presentes na vida adulta, como por exemplo,
cuidar de um bebê. Ao fazê-lo ela imita a forma como a mãe cuida do irmão mais
novo. Por isso Vigotski (1984, p. 117) afirma que o brinquedo “é muito mais a
lembrança de alguma coisa que realmente ocorreu do que imaginação”. Leontiev
(1988, p. 126) afirma que na brincadeira todas as operações e ações que a
criança realiza são reais e sociais; por meio delas a criança busca apreender a
realidade.
Na brincadeira a criança cria uma ruptura entre sentido e
significado de um objeto, isto é, um pequeno
pedaço cilíndrico de madeira não perde seu
significado para a criança, mas durante a brincadeira
esse objeto pode assumir para a criança o sentido de uma seringa de aplicação de vacina. Importante destacar que a
criança não realiza essa ruptura antes de
iniciar a brincadeira nem mesmo depois de encerrada a
brincadeira. Somente durante a atividade é que se faz necessária a imaginação.
REFERÊNCIAS
ELKONIN,
D.B. Psicologia do jogo. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
FROEBEL, F. The
education of man. New York: Appleton, 1887.
__________. The
mottoes and commentaries of Friedrich Froebel’s mother play. Translated
by Henrietta R. Eliot and Susan Blow. New
York: Appleton, 1895.
__________. Pedagogics
of the kindergarten. Translated by Josephine Jarvis. New York: Appleton, 1917.
LEONTIEV, A.N. O desenvolvimento do psiquismo.
Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
_________. Os princípios
psicológicos da brincadeira pré-escolar In: VIGOTSKI,
VIGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São
Paulo: Martins Fontes, 1984.
________.
Pensamento e Linguagem. São
Paulo, Martins Fontes, 1989.
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