Prêmio Nobel: à vista ou no cartão?


A sensação de muitos diante do prêmio Nobel da Paz concedido a Barack Obama é de que tal honra veio cedo demais. O presidente americano, diretamente envolvido em duas guerras, no Afeganistão e no Iraque, podendo em breve se afundar ainda mais na primeira, teria prometido muito e realizado pouco para merecer tal reconhecimento. Em oito meses de Casa Branca, Obama teria acumulado crédito junto ao resto do mundo, mas não realizações. Ele teria ganhado o Nobel pelo que pode vir a fazer, não pelo que já conseguiu. O presidente americano não teria pago seu prêmio à vista, apenas colocado no cartão de crédito. O Nobel aumentaria sua dívida com a já ansiosa comunidade internacional.
O chefe do comitê do Prêmio Nobel, Thorbjoern Jagland, afirmou: "Nós quisemos apoiar o que ele (Obama) está tentando realizar. É um sinal claro de que nós queremos defender o mesmo que ele tem feito." Obama, por sua vez, se disse "surpreso" com a escolha e afirmou não acreditar que merecesse tal honra. Para ele, o prêmio deve ser visto como "um chamado para a ação". Mas Jagland negou que o prêmio tenha sido dado em antecipação ao que o presidente americano poderá fazer ao longo de seu (s) mandato (s). Segundo ele, foi um prêmio ao passado, não ao futuro, a escolha foi baseada no que Obama já fez. Mas, afinal, o que Obama já fez pela paz mundial?
De concreto, Barack Obama prometeu o fechamento da prisão de Guantánamo no início de 2010. Também cancelou o plano de seu antecessor (George W. Bush, para quem não se lembra) de instalar bases anti-mísseis na Polônia e na República Tcheca, o que vinha sendo exigido pela Rússia, com quem assinou novos acordos de cooperação e desarmamento. Estendeu a mão para o regime iraniano na polêmica sobre seu projeto nuclear, com pouco progresso até agora. Pressionou o governo de Israel para paralisar a construção de assentamentos em território palestino, com nenhum progresso. Todas as iniciativas acima podem ser vistas como nada mais do que revogações de políticas de Bush. Mas Obama também ousou, ao defender o fim das armas nucleares no mundo, colocando pressão sobre as outras potências nucleares para que, coletivamente, reduzam seus arsenais. Tal esforço talvez tenha sido a chave para justificar o Nobel da Paz a Obama, mas as possibilidades de resultados concretos e significativos em poucos anos são pequenas.
Outros três presidentes americanos receberam o Nobel da Paz. Em 2001, Jimmy Carter, como ex-presidente, foi reconhecido por suas ações de negociação e mediação política ao redor do mundo. Em 1919, Woodrow Wilson recebeu o prêmio por ter liderado a criação da Liga das Nações, projeto fracassado de união global que não evitou a Segunda Guerra Mundial, mas inspirou o nascimento da ONU. Theodore Roosevelt, em 1906, teve seu trabalho de mediador na guerra entre Rússia e Japão recompensado (o fato de os acordos terem formalizado a sangrenta ocupação da Coréia pelos japoneses foi desconsiderado pelo Nobel). Foram três ganhadores com currículos significativos, que pagaram pelo Nobel à vista, sem dívidas. Já Obama ainda está na fase de projetos, reuniões, esforços, promessas ou intenções, segundo o analista da BBC Paul Reynolds.
Pagar a conta do Nobel da Paz não será simples. Na quinta-feira, um dia antes do anúncio do Nobel da Paz, o ministro do Exterior de Israel, Avigdor Lieberman, disse que um acordo entre israelenses e palestinos num futuro próximo é uma "ilusão". Uma lembrança de que os esforços do presidente Barack Obama ainda levarão tempo para dar frutos. Receber o Nobel não torna, necessariamente, sua missão mais fácil, mas aumenta a expectativa de que ela seja cumprida.
Fonte: BBC - Rogério Simões

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