PSICOPEDAGOGIA: A AFETIVIDADE NUMA PERSPECTIVA PSICOPEDAGÓGICA



Eleuzair Cunha Neves

Ao se apontar às possibilidades e os limites de uma articulação entre a Psicanálise e a Epistemologia Genética, no contexto de construção de um corpo teórico psicopedagógico, se remete a uma determinada concepção de sujeito.
Conforme são abordadas, ambas teorias tratam de um sujeito que se sustenta, por um lado, na lógica, na razão, portanto , na consciência e, por outro, no desejo, no simbólico, portanto, no inconsciente.
PIAGET (1980), preocupado com o epistemológico na relação sujeito-objeto, trabalha com o sujeito da consciência, que constrói conhecimentos através de sua ação sobre o meio físico e social, interagindo com outras pessoas no meio social. Desse ponto de vista, o sujeito que aprende está diretamente vinculado ao outro, é aqui que se situa a linguagem, o social, a cultura. Assim, tenta-se transcender o discurso da entronização da lógica, do reinado absoluto da inteligência, discurso que se infiltrou no campo educacional provavelmente por uma compreensão equivocada da teoria psicogenética. É uma compreensão que privilegia a singularidade do sujeito, a dimensão de seu desejo (classicamente chamada de “afetiva”) no espaço microssocial onde acontece diariamente, o ensino e a aprendizagem.
Situam-se os afetos na estrutura simbólica, na instância do desejo. Os afetos aludem àquilo que está escrito na subjetividade do sujeito, subjetividade mediada pelo outro do desejo, pelo outro do saber, sempre imerso no social, no cultural. É uma subjetividade que, conforme FERNANDEZ (1990), configura o encadeamento de representações que une o sujeito a sua própria história, que torna cada ser humano único em relação ao outro. É o nível simbólico que organiza a vida afetiva e a vida das significações e portanto, a linguagem, o gesto e os afetos agem como significados ou como significantes, através dos quais o sujeito pode dizer como sente o mundo.
Para que se esclareça a concepção de simbólico, busca-se a conceituação de PAIN (1986, p.45) . De acordo com a autora, é o registro que, na estrutura psíquica, opera como determinante da posição que o sujeito assume; é a dimensão que rege as relações humanas, pois, nas relações entre os homens e a cultura, são estabelecidos contratos simbólicos que regulam nosso comportamento, através dos símbolos inscritos por cada cultura, que nos revelam à ética e o estético. A autora assinala que “o inconsciente afeta, isto é, marca com o signo do afeto para atribuir qualidade às representações e previamente, aos esquemas”.
Esclarece também que os afetos não se constituem a partir de uma estrutura específica, ou seja, o valor significante dos afetos não depende de um código propriamente afetivo, admissível apenas no plano biológico das regulações automáticas, mas provém da estruturação simbólica inconsciente, conforme descrito acima. Assim aponta que os afetos comportam-se como sinais perceptíveis, gerados pelas representações produzidas no inconsciente. A existência do afeto depende das sensações, da mesma forma que a pulsão depende das ações. Sensações e ações colocadas à disposição da constatação da consciência, que respectivamente conseguem marcar um acontecimento ou um objeto através dessa materialidade.
De acordo com DOLLE (1993), mais na linha dos sinais perceptíveis, reforça que a afetividade está implicada com as significações:

“A afetividade, nas relações interindividuais, se alimenta unicamente do sentido e que é este quem a estrutura, desequilibra, equilibra e reequilibra. O gesto, até mesmo discreto, o brilho no olhar, etc., são tão expressivos quanto às palavras. Dito de outro modo, a afetividade em ato fala aquele que a recebe porque ela tem um sentido e informa sobre o estado daquele que a leva a falar, sobre suas intenções, seus julgamentos, sua disposição de espírito com relação ao destinatário, etc.” (ibid.p.120)

Para o autor, a afetividade como estado não age por si só, mas pelas manifestações e reveladas em múltiplas e diversas condutas (sorrisos, choros, carícias, gestos, olhares ternos, sombrios, tristes, etc.). Enfatiza que não é possível separar a afetividade de suas manifestações, tanto como não há possibilidade de separar estrutura e funcionamento de psicologia. Assim, conforme DOLLE (1993), a afetividade exerce sobre si mesma um certo poder. Qualquer que seja o sujeito, por mais dinâmico que possa ser, geralmente pode tornar-se fraco e apático, por efeito de uma decepção ou fracasso. O autor explica ainda que um encorajamento ou uma acusação, assim como uma simples palavra pronunciada num tom diferente do habitual, é suficiente para desestabilizar. Certamente, não está se referindo a uma desestabilização grave, mas que não deixa de afetar o equilíbrio interno, ou o que, a grosso modo, chama-se de moral.
Diante das idéias destacadas, entende-se que os afetos, assim como os gestos e as palavras são carregados de sentido, ou melhor, são produtores de sentido, num conjunto de significações circunscritas por representações simbólicas, postas em ação por determinação do inconsciente e vivenciadas na inter-relação entre sujeitos, no envolvimento e no interesse de um sujeito a outro. De essa relação vincular (com pais e irmãos), a criança/adolescentes vai estabelecendo padrões de relacionamento que, posteriormente, são transferidos na escola para o professor e os colegas.
De acordo com COLL (1995), a intenção dos alunos nas atividades de aprendizagem, as atitudes e/ou sentimentos de alguns sobre seus colegas como aceitação ou rejeição, carinho ou antipatia, igualdade ou submissão, colaboração ou imposição; o autoconceito do aluno sobre seu desempenho escolar e a motivação de cada um frente às atividades propostas, tendo em vista sua história pessoal de êxitos e fracassos, são alguns dos processos de distribuições encadeados aos processos cognoscitivos (terminologia usada pelo autor). Esses processos vão mediar às possibilidades e o alcance das aprendizagens. Assim, reforça-se a perspectiva de que há uma estreita relação entre o afeto e a cognição do sujeito que aprende.

Referências:
DOLLE, J.M. – Para Além de Freud e Piaget. Editora Vozes, Petrópolis, 1993
COLL, Cézar et al. Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades

educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
FERNANDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. PortoAlegre:

Artes Médicas, 1986.
PIAGET, Jean . A Psicologia da Criança. São Paulo: Difel, 1980

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