MÉTODO DE EXPLORAÇÃO CRÍTICA
A maneira de abordar as condições de aprendizagem de uma criança (metodologia) é dependente das concepções epistemológicas adotadas, conscientes ou inconscientemente, pelo professor. A introspecção surge como a primeira maneira para se compreender a racionalidade humana. A crença de que a razão poderia voltar-se sobre si mesma e compreender-se está baseada na hipótese de que a razão é uma entidade independente do corpo. Foi a partir de um postulado da razão dependente da experiência (empirismo) que esta metodologia foi contestada como impregnada de subjetivismo, uma vez que a razão era moldada pelas influências dos estímulos do ambiente. Bacon (1620) pensava que a ciência deveria proceder estritamente por indução, acumulando observação sobre observação até que os fatos gerais surgissem dos específicos. A influência do ambiente nas condutas humanas poderia ser apreendida pelo submetimento de sujeitos a situações estímulo sendo observado seu comportamento inicial e final mediante as variações deste estímulo. As mudanças poderiam ser detectadas através da observação das freqüências das condutas, bem como da testagem destes comportamentos. Esta metodologia apresenta o inconveniente de nada informar sobre o processo de obtenção de uma aprendizagem. Kant contrapõe-se as idéias anteriores formulando uma teoria de compromisso entre a experiência e a dotação inata, desta forma, o conhecimento requer certas capacidades prévias de organização interna. Foi dentro desta problemática que Piaget desenvolveu o método de exploração crítica.Em seus primeiros trabalhos, parte da hipótese de que existem estreitas ligações entre linguagem e pensamento. Dedicou-se ao estudo do comportamento verbal da criança esperando encontrar aí a origem do pensamento lógico-matemático do adulto. Esta hipótese caracteriza a primeira fase do seu trabalho iniciada em 1926. Para explorar o desenvolvimento infantil, iniciava um diálogo no qual se esforçava para seguir o pensamento da criança, sem possuir de antemão perguntas padronizadas, mas sim, a utilização de questões flexíveis adaptadas ao vocabulário da criança que buscassem todos os dados necessários para formularem diagnóstico. A partir das verbalizações da criança formulava hipóteses sobre a autenticidade e a coerência psicológica das crenças. Neste período seu objetivo era investigar as representações dos fenômenos não acessíveis a uma experimentação (ex. como a criança representa o movimento dos astros, a origem dos nomes e sonhos). Ele procedia pela confrontação verbal dos diferentes raciocínios expressos, na qual procurava a origem de certas representações ou as razões da substituição de um modo de interpretação do real em função de outro. (Ihelder et al, 1977)
Sob a influência de alguns trabalhos a respeito de uma possível inteligência prática, Piaget passou a estudar a existência de uma lógica das ações que estaria implícita no comportamento da criança e anterior a qualquer lógica transmitida pela linguagem. Disto ocorre à reformulação de sua metodologia. A partir de 1936 dedicou-se a observação de seus filhos construindo um método calcado sobre observações livres e/ou situações provocadas experimentalmente. As situações experimentais consistiam em alterações no ambiente segundo a hipótese a ser verificada. As observações possibilitam o entendimento do início da construção do real (ex-permanência do objeto, relações espaciais, temporais e causais), esclarecendo a relação entre a atividade do sujeito e a construção das categorias físicas.
Após este segundo momento, Piaget orienta suas preocupações, de um lado, para a construção das noções de conservação de quantidades numéricas, geométricas ou físicas, de outro lado, para os problemas de classes e relações. Para realizar estes estudos o método tomou uma dimensão experimental. Tornou-se necessário a utilização de objetos cuja manipulação propiciasse transformações (alongar, achatar, compor, decompor, deslocar etc.). Mesmo que a idade dos sujeitos permitisse o interrogatório exclusivamente verbal, preferiu-se um procedimento misto, onde a seqüência de respostas e argumentos mantivesse um estreito vínculo com a ação da criança sobre o material.
As indagações foram tornando-se mais sistemáticas, convertendo-se assim em um instrumento de diagnóstico. O interrogatório varia de acordo com a natureza dos problemas a serem investigados, se de ordem lógica ou física. Segundo Inhelder (1977), para investigar as noções de conservação de peso e volume a criança tinha a possibilidade de confrontar suas previsões com a leitura dos resultados experimentais, enquanto que, para as quantificações lógicas tratava-se de julgamentos, cujo critério de verdade é a sua coerência. As intervenções do experimentador podem assumir três formas: de exploração, de justificação e de contra-argumentação. As primeiras permitem que a criança interaja com os materiais e possibilitam ao experimentador levantar hipóteses sobre as noções espontâneas da criança. O objetivo das perguntas de exploração é desvendar uma determinada noção de estudo do experimentador. As intervenções de justificação visam identificar os argumentos que sustentam as hipóteses da criança, legitimando seu ponto de vista. As de controle procuram a coerência ou contradição no pensamento. Como afirma Vinh-Bang (1970) as intervenções de controle procuram captar a lógica profunda e a estrutura que mantém certa hipótese.
Se os aspectos de exploração, justificação e de contra-argumentação forem desprezados o método perde seu caráter de exploração crítica, ou seja, perde seu caráter de seqüência dialética em produção de argumentações e defesa orientadas até o sistema estrutural. (Castorina et alii,1984)
Banks-Leite et alii (1987) apontam características do método a partir da década de trinta, que podem ser enfocadas sob dois aspectos:o experimental e o interpretativo. A respeito do primeiro aspecto comentam:
O uso de material adaptável sobre o qual a criança pode agir e emitir julgamentos a respeito das transformações propostas ou ainda, em alguns casos, organizá-los de acordo com o tipo de problema proposto;
· Um interrogatório flexível, ou seja, um diálogo no qual o experimentador dirige-se pelas hipóteses do sujeito. O desencadeamento das perguntas e respostas dá coerência e unidade ao interrogatório;
· Uma análise qualitativa dos argumentos das crianças na intenção de obter uma compreensão dos processos cognitivos que se apresentam durante o exame, não se restringindo as "performances".
Quanto ao aspecto interpretativo, os autores referem:
Em todos os níveis da abordagem (do interrogatório à análise interpretativa) há referência ao modelo interpretativo. É o modelo teórico que possibilita gerar hipóteses e se relacionar os processos cognitivos indicativos da presença de um sistema de operações, permitindo além da avaliação do nível de desenvolvimento do sujeito, uma análise das fases de transição entre os níveis.
O método permite ir além da observação pura e da psicometria, impedindo erros sistemáticos das situações padronizadas ao mesmo tempo em que alcança as vantagens da experimentação.
Segundo Nevado (1990) para empregar o método clínico o experimentador necessita de um quadro teórico de referência que possibilita, durante todo o interrogatório, levantar hipóteses sobre as condutas observadas ao vivo, deixando se guiar por estas, sem chegar a estabelecer normas padronizadas, como nos testes clássicos de inteligência da psicologia diferencial.
Para Carraher (1983) enquanto a metodologia tradicional enfatiza o controle pela padronização de situações externas, o método de exploração crítica procura voltar-separa a situação psicológica do sujeito recaindo sua ênfase sobre o processo que o leva a dar esta ou aquela resposta, as quais podem evidenciar a complexidade do pensamento da criança.
A experimentação, conforme o ponto de vista da psicologia experimental tradicional, pode ser descrita como uma observação rigorosa que procura reconhecer as variações de uma só característica (variável dependente) em um grande número de sujeitos. O método crítico contrapõe-se à experimentação tradicional já que procura registrar a observação do maior número possível de variações em um mesmo indivíduo, centrando a investigação sobre as condutas espontâneas da criança e sobre aquelas provocadas em condições sistemáticas constantes com o objetivo de compreendê-las em suas particularidades.
O emprego do método de exploração crítica impõe modificações quanto à formação do experimentador. "O método clínico constitui de certa forma, um elo entre os trabalhos teóricos realizados pela Escola de Genebra e a aplicação prática desta teoria. Empregá-lo significa, antes de tudo, adotar uma postura, uma atitude de questionamento constante face às produções observadas e de busca incessante dos significados latentes às manifestações- verbais, gestuais, do comportamento - de cada sujeito" (Banks-Leite etalii, 1977, p. 122).
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