PSICOPEDAGOGIA - DISLEXIA


Dificuldades no aprendizado da leitura e escrita ocorrem em um número significativo de crianças. No Brasil os dados estatísticos mostram números estarrecedores: 96% dos alunos ao terminar a primeira série são analfabetos, cerca de 59% das crianças da quarta-série do ensino fundamental são incapazes de escrever algumas frases simples, muitas das crianças que conseguem ler, não conseguem compreender o que lêem. Mas porque isto acontece de forma tão freqüente?
Embora o aprendizado da leitura possa ser dificultado por várias razões, como o ensino deficiente de algumas escolas, a falta de estímulo intelectual em casa e a pobreza extrema, neste capítulo nós iremos abordar o que a ciência cognitiva tem mostrado nos últimos anos sobre o principal motivo que leva as crianças a desenvolverem uma leitura deficiente: os déficits na linguagem.
Pode parecer estranho, mas a linguagem está intimamente ligada ao aprendizado da escrita e da leitura, e, quando deficiente, pode causar os transtornos conhecidos como dislexia (Transtorno de Aprendizado em Leitura) e disgrafia (Transtorno de Aprendizado em Escrita).


O QUE É A DISLEXIA?


Atualmente a dislexia é conhecida no meio científico por Transtorno de Aprendizado em Leitura. Divide-se em 2 partes:

1) Dificuldade na decodificação das palavras, ou seja, dificuldade em identificar as palavras individuais ou lentidão na leitura de frases e textos.

2) Dificuldade na compreensão do que é lido.
A dificuldade na leitura envolve a omissão, troca ou adição de letras, sílabas ou palavras na frase, dificuldade em dar a entonação adequada nos acentos e a nas pontuações, lentidão excessiva e, consequentemente, uma tendência a evitar cada vez mais a leitura, o que vai agravando o problema ainda mais.

DIAGNÓSTICO:

É importante observar que para o diagnóstico de dislexia outros fatores também devem ser considerados. Primeiro, a criança não deve ter retardo mental. Isto significa que se a criança tem um retardo, é provável que todas as funções cognitivas tenham uma defasagem em relação ao que seria esperado para a idade e, portanto, a criança vai ter dificuldade para ler devido ao atraso global e não a uma dislexia verdadeira. É claro que tanto a criança com dislexia como a com retardo mental podem estar no mesmo nível de leitura, mas evidentemente a criança com dislexia pura tem um prognóstico bem melhor, já que suas outras funções cognitivas estão preservadas. Em segundo lugar, o problema não pode dever-se a outros fatores, como problemas no método de ensino, outras doenças que estejam afetando o aprendizado, problemas emocionais ou conflitos familiares graves.
Temos que tomar alguns cuidados neste conceito. Uma criança com problemas na leitura não apresenta necessariamente dislexia. Como já expliquei anteriormente, outros fatores podem estar associados e causando o problema. Além disso, muitos autores e os manuais de diagnóstico em psiquiatria dizem que é necessário haver uma discrepância entre o QI e o desempenho na leitura.
No Brasil fazer o diagnóstico baseado nesta definição é algo muito complicado. Primeiro porque não temos bons testes padronizados para medir a inteligência e o desempenho acadêmico e os que existem ou são mal padronizados ou muito limitados na abrangência das funções que medem. Segundo, poucas pessoas estão preparadas para fazer este tipo de avaliação e, quando existe a avaliação disponível, costuma ser cara e pouco acessível.
Portanto, no Brasil devemos utilizar métodos mais práticos, porém eficazes na detecção de crianças com possível dislexia. Em nosso serviço, conseguimos definir com boa precisão a presença de dislexia, os déficits cognitivos que a estão causando e se existem outros fatores que podem estar prejudicando a leitura eficiente.
POR QUE UMA CRIANÇA INTELIGENTE PODE TER DIFICULDADE PARA APRENDER A LER?

A letras escritas nada mais são do que símbolos. São chamadas de grafemas, as representações simbólicas dos fonemas, que, por sua vez, são os diferentes sons produzidos pela fala. Portanto, cada som que nós falamos apresenta uma codificação em forma de símbolos (as letras escritas ou grafemas).
Quando nós estamos lendo, o que nós fazemos é a decodificação do código, isto é, transformamos a escrita em linguagem falada e aí podemos compreender o que está escrito. Decodificando os sinais escritos em seus sons originais, é possível ler qualquer coisa que escrevemos, mesmo palavras que não existem, como protalar ou clamejuz.


O QUE É O PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E O QUE ELE TEM A VER COM A LEITURA?

O processamento fonológico é um dos componentes da linguagem. Podemos dizer que ele é o elemento mais básico da linguagem. O processamento fonológico é a capacidade que nós possuímos de perceber e manipular os sons da fala. Este perceber não é o mesmo que ouvir, pois crianças com déficits no processamento fonológico ouvem muito bem, o que elas não conseguem é identificar os fonemas, ou seja, as pequenas unidades de som com que são formadas as palavras.
Por exemplo, sabemos que a palavra BOLA tem 4 sons: /b/ /o/ /l/ /a/. Da mesma forma, a palavra CHÁ tem 2 sons distintos: /x/ e /á/.
Crianças com déficits no processamento fonológico têm muita dificuldade em perceber os fonemas. Elas ouvem a palavra como um bloco único ou dividido em partes maiores. Ao ouvir a palavra PÃO, a ouvem como um único som, não percebendo que, na realidade, são 3 sons distintos que se associam para formar a palavra.
A consciência fonológica é crucial para o aprendizado da escrita e da leitura. O desenvolvimento desta habilidade ocorre sem esforço por parte da maioria das pessoas, mas uma coisa importante é que, a consciência fonológica pode ser ensinada para as crianças que não a desenvolvem naturalmente e com isto é possível prevenir ou remediar muitos aspectos da dislexia.


E O QUE MAIS PODE ESTAR `POR TRÁS` DA DISLEXIA?

Veja o seguinte teste que apliquei numa criança com dislexia: mostrei figuras geométricas (círculo ou quadrado), de tamanhos diferentes (grande ou pequeno) e de cores diferentes (amarelo ou vermelho). Ela deveria nomear o mais rápido possível as figuras que eu ia mostrando. No total eram 60 figuras em que ela deveria dar as 3 características visuais de cada uma, por exemplo, ela deveria dizer: “quadrado grande amarelo, círculo pequeno vermelho”, e assim por diante. Uma criança de 8 anos consegue, em média, descrever as 60 figuras em torno de 1 minuto e meio. A criança descreveu corretamente as 60 figuras, mas levou 3 minutos. Isto significa que ela foi correta na descrição, mas lenta na nomeação.
A lentidão na nomeação é um achado freqüente em crianças com dificuldades na leitura. Embora pareça que não há qualquer relação entre a descrição de figuras e a leitura, os achados científicos recentes têm demonstrado que existe uma alta correlação entre o desempenho nos testes de rapidez de nomeação com a fluência na leitura.


EXISTEM OUTROS DÉFICITS COGNITIVOS EM CRIANÇAS COM DISLEXIA?

As pesquisas têm mostrado outros achados nas criançascom dislexia que incluem déficits na memória verbal imediata e de trabalho e na discriminação auditiva.
Alguns sinais neurológicos menores podem coexistir com os déficits mencionados acima, mas provavelmente não são causadores da dislexia, mas sim indicadores de que aquela criança apresenta uma `disfunção neurológica` que está causando a dislexia e, consequentemente, outras áreas cerebrais, além daquela relacionada à linguagem, também podem estar levemente disfuncionais.
TRATAMENTO

A dislexia tanto pode ser prevenida quanto remediada. Podemos prevení-la em crianças pré-escolares porque hoje podemos saber se uma criança vai ter problemas no aprendizado da leitura antes mesmo que ela conheça as letras. Os testes que realizamos na avaliação neuropsiquiátrica e neuropsicológica fornecem, com elevado grau de certeza, os indícios clínicos de que a criança terá problemas no aprendizado escolar.
Veja caso clínico.

O tratamento costuma apresentar bons resultados na maioria das crianças, mesmo em crianças mais velhas, embora, como em qualquer problema de saúde, sempre poderão existir casos resistentes e de difícil tratamento.

Basicamente o tratamento que realizamos e que é fundamentado em evidências científicas consiste no desenvolvimento das seguintes habilidades:
Discriminação Auditiva.
Processamento Fonológico.
Princípio Alfabético (relação fonema-grafema)
Memória fonológica (verbal) imediata e de trabalho.
Rapidez de nomeação (rápido acesso à memória visual de figuras, cores, letras, números e palavras).
O desenvolvimeto destas habilidades cognitivas básicas vai permitir que a criança desenvolva a leitura e a fluência na leitura, além de desenvolver uma maior capacidade na compreensão de textos.
A reabilitação de uma criança com problemas na leitura é fundamental para que ela não venha a se tornar resistente à leitura, a ter decepções contínuas na escola, a abandonar os estudos e, por fim, a apresentar possíveis resultados ainda mais prejudiciais, como baixa auto-estima (se sente `burra`), empregos inferiores à sua real capacidade intelectual ou ainda comportamentos desafiantes, abuso de drogas e outros problemas psiquiátricos, resultantes do eterno conflito que esta criança enfrentará entre a pressão social e familiar para ser bem sucedida na escola e na vida profissional e seus sentimentos de impotência para ser aquilo que os outros esperam dela.


fonte: Jordano Copetti, M.D.

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