Curiosidade

Bom dia,
Hoje realmente é um lindo dia. A temperatura agradabilíssima entorno de 16º C em minha cidade, nem parece que estamos no verão mas sim outono.
E é nesse clima que vos falo dos verbetes do admirável mundo atual, dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo globalizado, um artigo de senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque.

CRIANÇA PARTIDA - A riqueza de uma cultura se mede pelo número de palavras empregadas para definir o meio ao redor; uma cultura se mostra tão mais rica quanto mais palavras tem para distinguir as coisas em detalhes imperceptíveis para os que não fazem parte dela. Os esquimós têm diferentes palavras para dizer neve, conforme as características que ela apresentar; os povos da floresta têm nomes diferentes para cada tipo de árvore; os do deserto, nomes diferentes para a areia. Com isso, a cultura serve melhor ao conhecimento da realidade e facilita a luta pela sobrevivência. Por causa da realidade das cidades brasileiras, a língua portuguesa é a mais rica do mundo no que se refere à definição de criança - e a mais imoral também. No Brasil da apartação podem-se listar pelo menos 27 maneiras diferentes de mostrar a sutil diferença entre uma e outra criança:

Do lado dos pobres: flanelinha, trombadinha, pivete, menor, engraxate, pixote, infrator, delinqüente, prostituta infantil, avião, esquineiro, bezerrinha, ninfeta de praia, filhos da safra, meninos do lixo, meninas da noite, michê, menino de programa, boy, reciclador mirim, pagão civil, menina paraguaia.
A cultura urbana brasileira chegou ao refinamento de diferenciar menino de rua e menino na rua.

Do lado dos ricos, mauricinho, filho de Midas, teen. Não se trata de sinônimos como guri, menino, criança; cada uma das expressões anteriores tem um significado especial.
A sociedade brasileira, em sua maldita apartação, foi obrigada a criar palavras para distinguir as crianças conforme a classe social, a função, a casta a que pertencem. A cultura brasileira, medida pela riqueza de seu vocabulário, enriqueceu perversamente ao aumentar o número de palavras para expressar tipos diferentes de criança. Com esse procedimento, ao dar-lhe nomes e estabelecer critérios para identificar cada grupo, o brasileiro urbano da apartação partiu a criança, transformando-a em criança partida.

JUVENTUDE DOURADA - Trata-se do grupo de jovens que, não importa o país onde vivam, têm acesso às vantagens oferecidas pela modernidade. Vivem despreocupados, em geral em condomínios, passam seu tempo livre em shopping centers, estudam em escolas que dispõem de equipamentos de última geração, viajam nas férias, aprendem idiomas, praticam esportes, cultuam o corpo e são padrões de beleza. Por outro lado, no entanto, quase sempre convivem com um vazio existencial e são alienados politicamente, além de inseguros diante dos riscos do futuro.


JUVENTUDE EXCLUÍDA - É o grupo de jovens que, não importa o país onde vivam, não têm acesso aos instrumentos da modernidade. São desiludidos e desesperançados com o futuro, nutrindo sentimento de mágoa para com os que conseguem fazer parte da juventude dourada.

TEEN - Em uma sociedade sem apartação, criança é chamada de criança, não importa a raça nem a classe a que pertence. Em uma sociedade com apartação, há crianças partidas, divididas entre as que fazem parte do sistema moderno e as excluídas. As crianças excluídas sentem-se diferenciadas e criam nomes como mauricinhos para designar os filhos dos ricos. Entretanto, o nome mais comumente usado é teen, que, além de diferenciar as crianças ricas das crianças pobres, mostra a integração entre os filhos do primeiro mundo internacional dos ricos. Os 5,5 milhões de teens brasileiros gastam por ano, só em despesas de mesadas, um total de 1,3 bilhões de dólares; se incluirmos os gastos feitos pelos pais, esse total chega à casa dos 10 bilhões de dólares. Isso equivale a quase dois mil dólares anuais por cada teen. Ao mesmo tempo, 80% das famílias pobres dispõem de menos de 750 dólares por ano para todos os gastos de todos os membros.

TROMBADINHA - Com a consolidação da apartação e a sofisticação cultural que ela provoca no entendimento da realidade social urbana brasileira, o termo trombadinha designa um conjunto específico de meninos de rua que se dedica a assaltar transeuntes chocando-se com eles e fugindo com o que puderem levar: bolsas, relógios, pastas de trabalho.

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